sexta-feira, 26 de novembro de 2010

VELHARIAS

Velharias, histórias de um tempo que ficou para trás; mas que nunca me esqueço. Quando tinha uns três ou quatro anos, minha mãe me disse que eu deveria me chamar Abelardo; mas meu pai não me registrou com esse nome. Fiquei desapontado com ele, porque achava o nome Abelardo mais bonito que o meu. Além disso, tinha um tio de quem eu gostava muito que se chamava assim.
Velharias... tempos difíceis aqueles sobretudo para crianças, adolescentes e mulheres. A organização familiar nuclear ainda era totalmente regida pelo patriarcalismo. Criança e adolescente na maioria dos lares não podiam nem deviam dar opiniões, tomar parte na conversa de adultos, nem questionar as decisões paternas. Elas deveriam ser acatadas pelos filhos, senão eles teriam direito de obrigá-los a isso, fazendo uso da cinta e, em alguns casos, até mesmo do chicote. Velharias... episódios de uma época terrível, que ficaram retidos em minha memória, que não gosto nem de lembrar.
Eu, como já supra disse, adorava tio Abelardo e a Tia Camila. Eles, sempre que vinham nos visitar, tratavam meus irmãos e eu com muita amabilidade. Era, por assim dizer, uma verdadeira festa em nossa casa todas às vezes que os recebíamos. O melhor de tudo é que nunca se esqueciam de trazer doces para nós, sobrinhos. Morávamos num sítio. Excetuatuando essas raras ocasiões eu e meus irmãos não tínhamos a oportunidade de saborearmos aquelas guloseimas compradas na cidade. Ah! como eu gostava de chupar um pirolito vermelhinho que eles me davam, cujo formato era de um apito.
A julgar pela maneira carinhosa que titio Abelardo nos tratava, sempre muito calmo, conversando num tom pausado, sem nunca se exaltar, jamais imaginava que no recesso de sua família ele pudesse ser, digamos assim, um monstro para com os seus... Certa vez, vieram ao sítio nos visitar, pediram a meus pais que deixassem levar-me para passar alguns dias na companhia deles. O pedido foi concedido. A princípio fiquei feliz. Contudo, ao chegar à residência deles, eu, que não estava acostumado a ficar longe dos meus, queria porque queria tornar a casa. Mas o carinho de minhas duas belas primas, somado aos pirolitos de apito que me deram me fizeram mudar de ideia.
Juliana, a minha prima mais velha, já estava se tornando adolescente. Tinha pele sedosa e trigueira, cabelos compridos e negros, olhos grandes, lânguidos e brilhantes. Próximo ao lábio superior, uma pintinha preta, que lhe caía muito bem. Em verdade, ela deveria ser uma verdadeira tentação para os rapazes, provocado neles muitas poluções noturnas.
Pouco a pouco, fui me acostumando a conviver com eles que nem pensava mais em voltar pra casa. Titio abatia bois e os vendia para os açougues. Numa manhã, Juliana me levou ao abatedouro. Fiquei chocado quando vi titio abater um boi. Lembro-me ainda que me deram a bexiga do boi para eu brincar; mas acho que a recusei.
Numa tarde eu brincava na sala. Súbito, titio abelardo irrompeu casa adentro, trazendo Juliana de arrasto pelo braço, proferindo uma torrente de palavras de baixo-calão.
- Sua cadela sem-vergonha, eu já te disse que não quero ver você agarrada com esses pilantras safados, que andam por aí. Puta vagabunda! Pera lá que já te mostro uma coisa...
- Não, pai, não pai! Eu não faço mais isso! Ai, pai, não me bate!
De balde as súplicas dela. Ele a levou para o quarto, debaixo de cintadas, onde terminou o serviço... E que serviço! A pobre coitada ficou com as pernas, costas e nádegas cheias de vergões. Depois, ainda deitou salmoura nas feridas, o que fez minha pobre prima urinar nas pernas de tanta dor. Mediante aquela cena violenta, fiquei terrificado, querendo voltar pra casa na mesma hora, temendo que o monstro me batesse também. Velharias... monstruosidades que se cometiam apenas dentro do âmbito familiar e tudo em nome da boa educação.

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