quarta-feira, 21 de outubro de 2009

EU MATEI...

Rua Sábbado D`Ângelo! Tudo se moderniza, o ontem só existe na memória de algumas poucas pessoas... Há trinta ou quarenta anos tudo aqui era bem diferente. Tinha terrenos baldios, chácaras e até olarias. No local em que se encontra a estação ferroviária Dom Bosco, havia uma chácara. Diziam que ela era mal-assombrada. Eu, garoto recém-chegado do interior, lugar aquele onde todos acreditam em assombração, não duvidava disso. À noite, ao tornar da escola, passava defronte da chácara um tanto quanto receoso. Certa vez, alguns companheiros meus, que duvidavam que a chácara fosse relamente mal-assombrada, decidiram pular o muro dela para roubar frutas. Temeroso, não quis tomar parte naquela arriscada empreitada.
Fui para casa. No dia seguiinte, nem um deles compareceu à escola. Que teria acontecido a eles? Fiquei deveras preocupado, de modo que a pergunta, como se fosse uma goteira, gotejava na minha mente ininterruptamente.
No dia subseguente, os pais de meus amigos foram ao ginásio, disseram à diretora que os filhos deles desapareceram havia dois dias. O porteiro informou-lhes que me vira saindo em companhia deles. A diretora mandou que me chamassem. Ao ter à diretoria, interrogaram-me se eu sabia dizer o que acontecera aos meus amigos. Forçado pelas circunstâncias, contei que Lalinha, Miltão e Clóvis adentraram a sinistra chácara para roubar frutas, que eu fora para casa, desde então não sabia do paradeiro deles.
Retornando para casa, no instante em que passava em frente à chácara, avistei Lalinha assentada sobre o muro. Meu coração disparou, pois somente naquele instante foi que me dei conta de que a amava e de quanto estava sofrendo com a sua súbita desaparição. aproximei-me dela. Nunca vi alguém irradiar tanta formosura diante de meus olhos quanto a ela. Abraçamo-nos, beijamo-nos. Mas o ósculo dela era glacial... Senti um frio invadir todo o meu ser. Qual não foi meu espanto ao avistar dois morcegos, voando em nossa direção, se metamorfosearem na figura de meus dois amigos - Miltão e Clóvis -, e Lalinha apresentar duas presas enormes. Lembrei-me de um crucifixo que minha mãe me dera. Por vergonha não o trazia pendurado no pescoço, mas sim, dentro do bolso, que temia ser ridicularizado pelos alunos por viver usando aquele enorme santo-adorno, que era feito de ébano. Mas ele foi que me salvou a vida. Saquei-o do bolso, exibi-o aos vampiros. Eles cobriram os rostos com as mãos, emitindo urros. Saí correndo. Eles me perseguiram. Ao chegar a casa, coloquei uma cruz na porta de entrada, amarrei dentes de alhos nas janelas. Pela manhã, preparei algumas estacas, fui à Igreja do Carmo, apanhei água-benta, dirigi-me à aterrorizante chácara. Adentrei o casarão tenenbroso, com um farolete à mão.
Depois de uma minuciosa busca, encontrei uma passagem secreta, que conduzia a um átrio subterrâneo. Havia quatro caixões. Num de eles se encontrava Lalinha; nos outros dois, Clóvis e Miltão; e no quarto caixão, ...?
Eu sabia que tinha que cravar uma estaca no coração de cada um deles. Olhei para o rosto de Lalinha, não tive coragem para principiar por ela. Em seguida, para os de meus amigos; mas também não foi póssível levar a cabo o que me propusera fazer. Voltei a atenção para aquele horrível monstro, que transformara meus amigos em vampiros e o odiei com todas as forças de meu coração. Direcionei a estaca sobre o peito dele. Súbito, ele abriu os olhos, segurou a estaca.
- O menino está pensando que porá fim à minha vida assim tão facilmente? Eu sou o mestre dos vampiros, o conde Drákula. Muitos outros já tentaram fazer isso; mas foram todos mortos.
Lalinha levantou-se do caixão, ao mesmo tempo em que Miltão e Clóvis também se levantaram.
- Mestre, deixa eu dar uma mordidinha nele! Estou morrendo de sede!
- Para trás, vampira! Será eu quem irá matá-lo!
Ele agarrou-me pelo pescoço, suspendeu-me do solo. Desesperado, meti a mão no bolso do sobretudo, peguei da cruz, pressionei-a contra a testa dele. Ele deu um urro, jogou-me de encontro à parede. Ofegante, cai perto da estaca. No exato momento em que o vampiro voltava ao ataque, saltando sobre mim, apanhei-a e ele acabou com o peito traspassado. O vampiro emitiu um berro, que todo o bairro de Itaquera deve ter ouvido. Mas até hoje ninguém, à exceção de minha mulher Lalinha, e o padrinho de casamento dela; Miltão, e o meu; Clóvis, não sabe que eu matei o conde Drákula, libertando-os da maldição vampírica.

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